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1 12/01/2017 13:48

Estudo estruturou a genética e a diversidade molecular do chamado “cacau da Bahia”, um conjunto

de variedades locais desenvolvidas nos últimos dois séculos

A saga do cacau no sul da Bahia faz parte da história econômica e cultural do Brasil. Não fosse a

bem-sucedida introdução dos cacaueiros na região de Ilhéus no século 18, não haveria o ciclo do

cacau da Bahia nem motivos para inspirar Jorge Amado a escrever Gabriela, Cravo e Canela.

Mas o sucesso da cultura do cacau na Bahia é coisa do passado. O Brasil, que já foi o segundo

maior produtor mundial de cacau, hoje é apenas o sexto.

E foi somente em 2015, após mais de 20 anos excluída do mercado mundial, que a Bahia pôde retomar

a exportação do produto.

A culpa do declínio da cacauicultura baiana é o fungo Moniliophtora perniciosa, que transmite a

doença da vassoura-de-bruxa. A praga apareceu na região de Ilhéus-Itabuna em 1989 e se alastrou

afetando os frutos, os brotos e as flores dos cacaueiros.

As árvores deixaram de dar frutos. A produção brasileira, que era de 320 mil toneladas por ano,

despencou para 190 mil toneladas por ano em 1991. Toda a queda corresponde ao tombo da

cacauicultura baiana, estado que concentrava 80% da produção.

Nas últimas duas décadas, muitos esforços têm sido feitos para o combate à vassoura-de-bruxa,

especialmente na busca de novas variedades de cacau resistentes à praga, pois o fungo continua

presente no sul da Bahia.

Uma iniciativa inovadora é o estudo de estrutura genética e da diversidade molecular do assim

chamado “cacau da Bahia”, um conjunto de variedades locais desenvolvidas nos últimos dois

séculos. O estudo é conduzido pela professora Anete Pereira de Souza, do Instituto de Biologia e

do Centro de Biologia Molecular e Engenharia Genética da Universidade Estadual de Campinas, ao

lado de pesquisadores de diversas universidades e centros de pesquisa da Bahia, como a Comissão

 

Executiva do Plano da Lavoura Cacaueira (Ceplac), a Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia

 

(Uesb), a Universidade Estadual de Santa Cruz (Uesc) e o Instituto Federal de Educação, Ciência e

 

Tecnologia Baiano (IF Baiano).

 

Os resultados foram publicados na PLoS One, com apoio da FAPESP.

 

“A baixa resistência do cacau da Bahia à praga da vassoura-de-bruxa sempre me intrigou”, disse

 

Souza. “A Amazônia brasileira é um dos centros da espécie Theobroma cacao. Portanto, devem

 

existir muitas variedades e tipos de cacau diferentes, alguns inclusive resistentes ao fungo M.

 

perniciosa. Então, como se explica que a praga praticamente dizimou as plantações de cacau do sul

 

da Bahia em poucos anos, sendo que ele veio da Amazônia? Decidimos então estudar a história

 

genética do cacau da Bahia para encontrar a razão de sua baixa resistência à vassoura-de-bruxa e

 

assim encontrar uma maneira de torná-lo mais resistente ao fungo.”

 

O cacau chegou à Bahia em 1746, quando um colonizador francês que vivia no Pará, Luiz Frederico

 

Warneau, enviou algumas sementes da variedade “Forastero” (do grupo Amelonado) ao fazendeiro

 

baiano Antonio Dias Ribeiro, que as semeou no município de Canavieiras.

 

Em 1752, foram plantadas as primeiras sementes em Ilhéus. As plantas se aclimataram bem à região.

 

Ao longo do século 19, as fazendas de cacau foram se disseminando na região e as exportações

 

avançaram à medida que aumentava o consumo de chocolate na Europa e nos Estados Unidos. Nas

 

primeiras décadas do século 20, o cacau era o principal produto de exportação da Bahia.

 

“O cacau da Bahia é de excelente qualidade, tanto que todos os cinco maiores produtores mundiais

 

(Costa do Marfim, Gana, Indonésia, Nigéria e Camarões, nesta ordem) plantam o cacau da Bahia. As

 

sementes que lá foram introduzidas pertenciam todas à variedade Forastero da Bahia”, explicou

 

Souza.

 

A vassoura-de-bruxa é endêmica na América do Sul e no Caribe, mas jamais atravessou o oceano para

 

infestar os plantios na África e no sudeste asiático.

 

Após grande combate epidemiológico e científico à vassoura-de-bruxa, resultados começaram a

 

aparecer. A produção brasileira de cacau, que havia recuado a um mínimo de 170 mil toneladas em

 

2003, atingiu 291 mil toneladas em 2014, a maior safra em 26 anos.

 

O maior controle da vassoura-de-bruxa possibilitou à Bahia voltar ao mercado externo, com a

 

exportação de 6,6 mil toneladas de amêndoas para o mercado europeu em 2015.

 

Base genética estreita

 

Para entender a razão genética da extrema suscetibilidade do cacau da Bahia à vassoura-de-bruxa,

 

Souza e a então doutoranda Elisa Santos, da Universidade Estadual do Sudeste da Bahia, juntamente

 

com pesquisadores da Universidade Estadual de Santa Cruz e da Comissão Executiva do Plano da

 

Lavoura Cacaueira, ambas em Ilhéus (BA), foram a campo. Santos coletou 219 amostras de folhas de

 

cacaueiros em sete fazendas, assim como outras 51 amostras de híbridos desenvolvidos ao longo de

 

décadas no Centro de Pesquisas do Cacau (Cepec/Ceplac), de Ilhéus.

 

De volta ao Centro de Biologia Molecular da Unicamp, foi realizado o sequenciamento do DNA

 

nuclear das 270 amostras, focalizando a investigação em 30 marcadores moleculares – pequenos

 

trechos do DNA que servem de parâmetro de comparação entre as variedades.

 

O que se descobriu foi que a base genética do cacau da Bahia é muito estreita. Literalmente todos

 

os cacaueiros baianos têm a sua origem em um número muito pequeno de indivíduos, ou seja, de

 

sementes da variedade Forastero. É que essas sementes foram muito bem escolhidas pela qualidade

 

do cacau produzido pelas árvores que deram origem a elas. Entre aquelas estão as sementes

 

trazidas por Warneau há 270 anos.

 

Se por um lado a baixa diversidade genética das plantas garantia a qualidade do fruto, por outro

 

tornava toda a população de cacaueiros frágil, dada a ausência de variedades que pudessem

 

resistir a uma ameaça como acabou sendo a vassoura-de-bruxa.

 

Para piorar a situação, os pesquisadores descobriram que os híbridos desenvolvidos pelo centro de

 

melhoramento nos anos 1950 e 1960 (e cultivados até hoje), em vez de aumentarem a variação

 

genética na população cacaueira, acabaram por reduzi-la ainda mais, já que também foram

 

produzidos com base apenas na qualidade do cacau.

 

“Já havia uma base genética estreita. Então se escolheu unicamente plantas dessa base para obter

 

híbridos. Não se pensou em trazer novas variedades de fora da Bahia para ampliar a base genética

 

das árvores da região. O resultado foi a obtenção de híbridos ainda menos resistentes à

 

vassoura-de-bruxa”, disse Souza.

 

Uma boa notícia da pesquisa foi a descoberta nas fazendas de árvores resistentes à doença e com

 

maior variação genética que aquela encontrada nos híbridos atualmente existentes.

 

“São cacaueiros anteriores à praga, que jamais foram atacados, não foram derrubados e continuam

 

produzindo. E devem existir outros, além dos que coletamos. Essas árvores não podem ser perdidas.

 

Governo e fazendeiros precisam preservar essas variedades, elas representam o sucesso no futuro

 

da cacauicultura baiana, nacional e também mundial, já que o cacau da Bahia foi exportado para o

 

mundo todo”, disse Souza.

 

Atualmente novos híbridos envolvendo as árvores de cacau com resistência à vassoura-de-bruxa e

 

maior variação genética já estão sendo obtidos pelos pesquisadores dos centros de pesquisa na

 

Bahia.

 

Essa matéria foi originalmente publicada no site da Agência Fapesp.

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