Esportes

1 18/07/2018 20:20

O título francês da Copa do Mundo transformou Paris em uma festa, mas também reverberou em lugares improváveis como em um campo de grama sintética ao lado do parque do Ibirapuera, em São Paulo, onde um punhado de garotos africanos tenta a sorte com a bola nos pés.

Por volta das 19h, eles largaram o trabalho nas lojas de confecção, nas confeitarias, nas oficinas mecânicas ou nos caixas de supermercado, e calçaram suas chuteiras para jogar futebol. A repentina queda na temperatura da capital paulista não os intimidou. Cerca de vinte garotos, com idade entre 18 e 23 anos, apareceram para o segundo treino de um time formado apenas por refugiados.

Dois dias depois que a seleção francesa conquistou o bicampeonato na Rússia, eles lembravam da vitória, que pareceu ser deles.

“Foi a seleção europeia mais africana da Copa”, diz Jeff Ayimey, de Gana. Ele parece está certo. Mais da metade do elenco bicampeão mundial, apesar de ter nascido na França, tem suas raízes na África, o que estendeu a torcida azul para muito além das fronteiras europeias.

Ahmed Zwakona, um rapaz congolês de 19 anos, alto e esguio, explica que o sonho de boleiro dos campeões franceses também é o sonho de boleiro da maioria dos refugiados, que precisaram se separar de suas famílias para fugir de guerras e perseguições políticas. Congo não se classificou para a Copa da Rússia, mas seus habitantes adotaram a França como sua seleção na reta final.

Quatro jogadores franceses têm ascendência congolesa (Mandanda, Nzonzi, Matuidi, Kimpembe). Outros dez vieram de países como Marrocos (Rami), Senegal (Mendy), Mali (Kanté, Sidibé e Dembelé), Guiné (Pogba), Camarões (Umtiti), Togo (Tolisso), Argélia (Fekir) e Camarões/Argélia (Mbappé). Apenas dois (Mandanda e Umtiti) nasceram na África. Os outros 12 não são ou não foram necessariamente refugiados, mas são filhos de imigrantes que um dia fizeram a travessia em busca de uma vida melhor

“Esse título vai mudar muita coisa”, diz Ahmed, referindo-se a política migratória da Europa, que tem restringido o acolhimento a africanos em situação de refúgio. “Espero que os europeus aprendam que, se derem uma oportunidade aos africanos, nós podemos retribuir fazendo coisas incríveis por eles.”

A maioria dos jogadores já tinha experiência com o futebol em seus países e todos chegaram ao Brasil sonhando em perseguir uma carreira como profissional da bola. Um grupo de gestores esportivos resolveu, em parceira com uma ONG, criar o Futebol Clube Malaika, uma equipe para reunir esses esforços e quem sabe revelar talentos para os clubes brasileiros.

Os africanos, junto com refugiados de países como a Síria e a Colômbia, participam da Copa dos Refugiados, um torneio amador já com certa tradição. Há negociações para que o Malaika seja apoiado pela Prefeitura de São Paulo.

A maioria dos refugiados acompanhou com orgulho a trajetória da França no Mundial. Torceram pelo Brasil, por ser o país que adotaram no exílio, ou para a Bélgica, outra equipe com vários descendentes de africanos. Mas “quando a França ganhou, a África fez festa”, diz o ganês Jeff, que recebeu vídeos e fotos no WhatsApp das celebrações no continente.

Mas não toda a África. A Copa do Mundo é o principal palco do futebol mundial, mas também é um grande catalizador das mágoas coloniais. Yacouba Conde, um garoto pequeno da Guiné, conta que jamais seria capaz de torcer pela seleção francesa.

“A Guiné é totalmente independente, mas a França domina a política de lá”, afirma ele, que fugiu para o Brasil depois de ser torturado pela polícia. Os policiais queriam saber o paradeiro do pai dele, um militante político que passou a ser perseguido pelo presidente da República.

“Acredito que os africanos deveriam jogar pelo país deles. O Pogba tem um irmão [Florentin Pogba] que joga pela seleção de Guiné. Por que ele não escolheu fazer o mesmo?”

Mesmo com eventuais discordâncias, os boleiros se unem em torno de aspirações semelhantes, como se a bola pudesse nivelar seus sonhos e suas histórias de vida. No fim do treino, eles se reúnem no centro do gramado e recebem instruções. Daqui a três dias, eles terão um jogo decisivo para as pretensões da equipe pelo resto do ano. Jeff Ayimey pergunta qual o melhor jeito de fazer uma compressa quente em um machucado na coxa. Outro garoto pergunta como chegar de metrô ao local de onde o ônibus sairá para levá-los ao estádio.

Um terceiro quer saber se eu não conheço um jornalista que tenha equipamento de vídeo. Ele gostaria de filmar seus lances no próximo jogo para ver se algum clube se interessa por seu futebol. Em três dias, o futebol unirá a todos do Malaika novamente.

Folhapress

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